Por Dr. Ricardo Wagner da Costa Moreira
Médico CRM/RN 4284 I Conselheiro (gestão 2023-2028)
CIRURGIA VASCULAR- RQE: 1415
Talvez uma das maiores angústias que o médico pode passar na sua vida profissional seja quando recebe uma notificação de que há uma denúncia contra ele no Conselho Regional de Medicina (CRM). Desconhecimento do que fazer, medo das repercussões no futuro da sua vida profissional, receio de possíveis perdas financeiras, raiva, descontentamento com a profissão, talvez sejam as reações mais comuns.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) houve um aumento de 506% nos processos por erro médico entre 2023 e 2024. O Conselho Federal de Medicina (CFM) registrou um aumento de 55% no número de processos éticos contra médicos em quatro anos, passando de 470 em 2019 para 729 em 2023.
Podemos perceber então que está cada vez mais frequente um médico ser denunciado e mesmo agindo com ética e zelo profissional, nenhum médico estará imune. Nunca devemos pensar que isso é algo que só acontece com os outros.
Diante disso é de extrema importância que o médico saiba o que fazer quando é notificado sobre uma denúncia. Saber como proceder, com certeza trará mais tranquilidade, mais segurança e menos sofrimento emocional.
A Denúncia
O CRM tem a obrigação de apurar qualquer denúncia feita contra um médico, porém essa denúncia precisa ter requisitos mínimos: a denúncia não pode ser anônima, o médico denunciado deve ser claramente indicado e deve haver uma descrição clara e objetiva dos fatos, indicando qual teria sido a conduta antiética do médico.
A denúncia é então analisada pela Corregedoria do CRM e, caso cumpra esses requisitos, é determinada a abertura de uma sindicância.
A Sindicância
Nesta fase, o médico recebe a notificação de que foi feita uma denúncia contra ele e tem acesso completo ao teor dela. O CRM poderá então solicitar esclarecimentos ao médico, para que ele explique a sua versão sobre aquilo que foi denunciado.
É extremamente importante que o médico não perca os prazos que são dados para que elabore a sua defesa, por isso deve manter sempre atualizado seu endereço, telefone e e-mail junto ao CRM.
A notificação de que foi denunciado não significa que o médico já está condenado. A sindicância é na verdade a oportunidade que o médico tem de se defender e, portanto, deve ser aproveitada.
É muito comum a pergunta: Preciso contratar um advogado nessa fase? A resposta é que o médico não é obrigado, ele mesmo pode responder a denúncia, porém caso não se sinta confortável em escrever um texto no qual argumenta a sua defesa, a contratação de um advogado seria excelente, especialmente advogados especializados em direito médico.
Ao se defender, o médico deve contar a sua versão do que ocorreu e argumentar porque entende que não cometeu infração ética. Muitas vezes em uma denúncia, o denunciante cita Artigos do Código de Ética Médica (CEM) que o médico teria infringido. Nesses casos, quando relatar a sua versão, o médico deve mencionar o Artigo citado e argumentar porque entende que não infringiu este Artigo. A fase de sindicância preza pela informalidade e não é necessário a apresentação de testemunhas pelo denunciante ou pelo médico denunciado. Quando uma denúncia relata a ocorrência de fatos graves o Conselheiro Sindicante pode até mesmo dispensar os esclarecimentos do médico e já elaborar o seu relatório. Documentos que deem suporte à versão do médico devem ser anexados. Cabe aqui ressaltar que a melhor de todas as defesas que o médico pode ter é o prontuário médico. Todos os aspectos de cada atendimento e de cada interação entre o paciente e o médico devem ser minuciosamente registrados no prontuário. Um prontuário médico bem elaborado com certeza trará muito subsídio à defesa do médico.
Após a apresentação da defesa, o Conselheiro sindicante analisará a denúncia e a resposta do médico e fará um relatório dizendo se há ou não indícios de infração ética. Este relatório é então votado em uma Câmara de Sindicância, composta por vários Conselheiros. A aprovação do relatório se dá por maioria simples. Caso o resultado da votação seja no entendimento de que não há indícios de infração ética, a denúncia é arquivada e tudo encerra. Caso o resultado seja no entendimento de que há indícios de infração ética, aí é então aberto um Processo Ético-Profissional (PEP).
A duração de uma Sindicância está entre 3-6 meses, podendo durar mais dependendo da complexidade do caso.
O Processo Ético-Profissional (PEP)
Nesta fase será feita uma apuração mais extensa sobre a denúncia, pois foi entendido que há indícios de infração ética pelo médico. É nomeado um Conselheiro instrutor do PEP, que ficará responsável pela coleta das evidências necessárias.
Nesta fase, é necessário um advogado para a defesa? Diante da maior complexidade desta fase, é recomendável um advogado, preferencialmente especializado em direito médico.
Sempre importante lembrar para que o médico atente aos prazos, de forma a não deixar passar o prazo estipulado nas solicitações, o que pode acarretar prejuízos à sua defesa.
O médico fará então a sua defesa prévia, a qual consiste em um relato bem preciso sobre tudo que aconteceu, explicando porque não cometeu infração ética. Deverá, portanto, para cada Artigo que foi acusado, buscar provar que não cometeu ilícito ético. Todas as documentações que possam ajudar em sua defesa devem ser anexadas. Nessa fase o médico pode também convocar testemunhas para depor em seu favor.
No PEP, o Conselheiro Instrutor também tomará o depoimento do denunciante, do médico denunciado e das testemunhas.
Depois de colhidas todas as evidências, ou seja do término da fase de instrução, será designado um Conselheiro Relator. Ele será o responsável por analisar todo o PEP e elaborar um relatório onde descreve todos os aspectos contidos nele, de modo a deixar os demais Conselheiros que votarão no julgamento com pleno conhecimento do caso em questão.
É marcada então uma Sessão de Julgamento onde o relatório do Conselheiro Relator é apresentado. Tanto o denunciante quanto o médico denunciado terão tempo para falar, caso desejem. No final, o Conselheiro Relator faz então a leitura do seu voto. Neste voto ele diz se vota pela absolvição ou pela condenação, e, caso vote pela condenação, diz qual a penalidade aplicada. Assim como na sindicância, no julgamento os Conselheiros presentes manifestar-se-ão a favor ou contrários ao voto do Relator. A decisão final se dá por maioria simples.
Caso o médico seja absolvido, a não ser que a parte denunciante recorra, estará tudo encerrado. Caso seja condenado, o médico poderá aceitar a penalidade imposta ou poderá recorrer da decisão. O recurso é sempre solicitado ao CFM.
No recurso, é realizado um novo julgamento, onde os Conselheiros Federais, irão julgar o caso e manter ou alterar a decisão do CRM de origem.
A condenação definitiva após o recurso, portanto, só ocorrerá após o julgamento no CFM.
A duração média de um PEP está entre 1-2 anos, podendo variar conforme a complexidade do caso.
As penalidades
Atualmente existem cinco penalidades possíveis para o médico que for condenado:
– Advertência confidencial em aviso reservado: o médico que for condenado recebe uma comunicação oficial do CRM sobre sua condenação e isto fica registrado no seu arquivo junto ao CRM, porém não é tornado público;
– Censura confidencial em aviso reservado: consiste em uma reprimenda formal mais severa do que a advertência, através de comunicação oficial do CRM sobre sua condenação. Também fica registrado no seu arquivo junto ao CRM, mas não é tornado público;
– Censura pública em publicação oficial: neste caso, a penalidade é tornada pública, ficando acessível à sociedade. A punição é publicada no Diário Oficial e no site do CRM/CFM;
– Suspensão do exercício profissional por 30 dias: nesta penalidade o médico fica proibido de exercer qualquer atividade médica por 30 dias consecutivos. É tornada pública através de publicação no Diário Oficial e no site do CRM/CFM;
– Cassação do exercício profissional: nesta penalidade o médico perde o seu registro profissional e fica definitivamente impedido de atuar como médico em todo o Brasil. Importante esclarecer que mesmo que o julgamento no CRM decida pela penalidade de cassação, a mesma só poderá ser aplicada após a confirmação pelo CFM.
Procuramos resumir aqui neste artigo, as principais características e condutas a serem adotadas pelo médico ao receber uma denúncia no CRM.
Como falado anteriormente, a denúncia não é sinônimo de condenação. Conhecer bem todas as fases de uma sindicância e de um PEP, proporciona que o médico possa ficar mais tranquilo para se defender e possa elaborar uma defesa mais efetiva.
Lembramos ainda que os CRMs estão também disponíveis para qualquer esclarecimento sobre a tramitação de uma denúncia e como funcionam as fases processuais. Em caso de dúvida, o médico pode procurar o Setor de Processos para receber informações.
Espero que este artigo tenha contribuído para esclarecer suas dúvidas e orientá-lo de forma prática e objetiva. Em um cenário cada vez mais exigente para o exercício da medicina, estar bem informado sobre os seus direitos e deveres éticos é essencial para uma atuação segura, responsável e alinhada com os princípios da profissão.
Conselheiro CREMERN – Ricardo Wagner da Costa Moreira